A Guará na versão de:
Lápis: Ananda Valle
Arte final: Juliana Moon
Cores: Vitor Wiedergrun
Em 2016, quando fundei a Guará, eu já sabia dos desafios e das dificuldades de estabelecer uma editora de quadrinhos no Brasil. Preço do papel, irregularidade das obras e sistema de distribuição frágil sempre foram os maiores entraves práticos para o estabelecimento de uma indústria pulsante como vemos em outros países ao redor do mundo.
De lá pra cá nada mudou. Aliás, o sistema de distribuição piorou com a quebra da Dinap e o dólar deixa o preço do papel cada vez mais salgado e o editor inseguro. Os investimentos em cultura não cessaram graças à lei emergencial Aldir Blanc e outros mecanismos estaduais, mas a falta de um plano federal ou o retrocesso no pensamento sobre a cultura do Brasil deixa os artistas e os empresários da cultura aflitos e receosos acerca do futuro a curto prazo. Tudo parece nebuloso e enlouquecedor como num filme de terror.
Agora, quando observo a cena dos quadrinhos e da literatura fantástica brasileira, parece haver um paradoxo que só pode ser sustentado mesmo por conta desses artistas e editores apaixonados e pulsantes que estão em atividade, nesse corre louco que é uma mistura de necessidade de pagar as contas e de fazer o que ama. A produção é incessante, os coletivos de editores e criadores se multiplicam e o debate sobre a indústria criativa é riquíssimo no underground artístico, onde a pulsão de vida e de criação supera de longe a morbidez dos anti-intelectuais que resolveram infelizmente habitar a nossa rotina.
É com esse orgulho que vejo o trabalho que a Guará tem desenvolvido nos últimos anos. Depois de um nascimento complicado, a consistência do projeto se estabeleceu devido à reunião de pessoas cada vez mais comprometidas e maravilhosas preenchendo com lápis, tinta e tesão os enredos do nosso universo. As entregas irregulares, o segundo ponto frágil da indústria dos quadrinhos que descrevi no primeiro parágrafo, isso estamos resolvendo com uma qualidade ímpar. Porém, o que mais admiro nesse tempo todo é poder contribuir com trabalho para mais de cinquenta artistas que passaram ou estão na nossa casa durante esse período da pandemia. E queremos mais.
O trabalho é árduo, a margem é curta para manobrar as surpresas empresariais, mas a aventura é essa e só está começando. Desde que a Guará foi fundada, o que me move é o desafio de contribuir para estabelecer uma indústria criativa madura baseada no desenvolvimento de propriedades intelectuais originais. São muitos os desafios, mas grande parte deles são relativos simplesmente a investimento, porque talento nós brasileiros temos de sobra e planos nós temos e são bons.
Quanto mais nós profissionais nos juntarmos para debatermos as questões relativas à classe, mais seremos protagonistas da nossa própria história, deixando de ser apenas consumidores de produtos estrangeiros, mas produtores e exportadores, inclusive dependendo menos dos governos. Sucessos individuais são importantes, mas furar a bolha em conjunto é uma estratégia mais inteligente para voltarmos ao coração do grande público que se desacostumou a ler gibi brasileiro diferente da Turma da Mônica.
Também não é com livro de capa dura, custando 100 reais, de autores clássicos ou estrangeiros, que vamos conseguir a autonomia para nos tornarmos uma potência. Está na hora dos canais brasileiros de mídia, de youtube e de outras redes sociais, de grandes influenciadores e editoras, verem de verdade a efervescência criativa que está no ar. A bolha já está sendo furada, mas ainda é pouco. A cena dos quadrinhos e da "literatura de gênero" feita aqui são peças-chave fundamentais para o desenvolvimento da dita cultura pop home made (sic) e de toda uma indústria cultural baseada nela.
O debate está aberto e é muito bom estar do lado da prática, testando o que um dia foi só teoria. Somos uma editora aberta para o diálogo e queremos o sucesso de todos. Porque aqui na Guará a certeza nossa é uma: o gibi não nasceu pra ser grande, o gibi nasceu pra ser gigante.
Gabriel Wainer é diretor da Guará
Excelente texto. Estás correto quando dizes que a "efervescência criativa que está no ar" precisa ser percebida pelos canais e influenciadores que fazem a mídia de cultura. Na verdade já passou a hora de baixar a bola do fetiche que leva uma parte do público a ficar babando "livro de capa dura, custando 100 reais, de autores clássicos ou estrangeiros". Nós temos uma potência criativa pronta para ocupar os espaços da cultura. Já está mais do que provado que sabemos e podemos fazer excelentes obras. Mãos à obra.
Falou e disse, também creio nessa luta pelo brasileiro protagonizando o futuro e o fantástico. Acredito que todos tínhamos que nos alinhar pelo sucesso de todos, como, creio, disse o autor do excelente artigo.
Essa última frase me impactou de uma maneira...